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Elaborando Recursos em Licitação: como garantir o sucesso dos argumentos

Juliano Machado

No intrincado universo das licitações públicas, a participação em certames demanda não apenas a apresentação de propostas competitivas, mas também a expertise para defender seus direitos e interesses quando julgados necessários.

A interposição de um recurso administrativo surge como um instrumento crucial nesse cenário, representando a oportunidade de contestar decisões desfavoráveis e buscar a revisão de atos que se julguem equivocados ou ilegais. Contudo, a mera apresentação de um recurso não garante o êxito. Para alcançar uma decisão favorável, é imperativo construir uma argumentação de recurso sólida, bem fundamentada e persuasiva. Este guia visa fornecer as ferramentas e o conhecimento necessários para a elaboração de um recurso vencedor no âmbito das licitações.

A espinha dorsal de qualquer recurso bem-sucedido reside em sua fundamentação legal. Não basta expressar discordância com a decisão proferida; é essencial embasar cada alegação em dispositivos legais pertinentes. A Lei nº 8.666/93 (antiga Lei de Licitações), a Lei nº 14.133/21 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos), decretos, portarias e outras normas infraconstitucionais constituem o arcabouço legal primário a ser explorado.

Ao identificar o dispositivo legal que ampara sua pretensão, o recorrente deve transcrevê-lo precisamente e, crucialmente, explicar de que maneira a situação fática do caso concreto se subsume à norma invocada. Essa demonstração de aderência entre os fatos e o direito é o pilar de uma argumentação robusta.

Ademais, a força da argumentação é exponencialmente ampliada quando se incorpora ao recurso as decisões proferidas pelos Tribunais de Contas, tanto da União (TCU) quanto dos Estados (TCE). Os Tribunais de Contas, na sua missão de fiscalizar a aplicação dos recursos públicos e a legalidade dos atos administrativos, emitem inúmeras decisões que interpretam e aplicam a legislação licitatória em casos concretos. Essas decisões, consubstanciadas em acórdãos, representam um valioso manancial de entendimento sobre a matéria. Ao citar um acórdão do TCU ou do TCE que guarda similitude com a situação em análise, o recorrente não apenas reforça sua argumentação com o peso da autoridade do órgão de controle, mas também demonstra que sua interpretação da lei não é isolada, encontrando eco em precedentes administrativos. É fundamental detalhar no recurso a semelhança fática entre o caso julgado pelo Tribunal de Contas e a situação específica do recorrente, evidenciando a pertinência da jurisprudência invocada.

A jurisprudência em licitação abrange não apenas as decisões dos Tribunais de Contas, mas também os julgados do Poder Judiciário sobre questões relacionadas a licitações. Embora as decisões judiciais não possuam o mesmo efeito vinculante das súmulas TCU (que consolidam o entendimento reiterado do Tribunal sobre determinada matéria), elas exercem uma influência significativa, especialmente quando proferidas por tribunais superiores. Ao trazer à baila um julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou do Supremo Tribunal Federal (STF) que se mostre favorável à tese defendida no recurso, o recorrente eleva o nível de sua argumentação, demonstrando que sua pretensão encontra respaldo não apenas na esfera administrativa, mas também no âmbito judicial.

As súmulas TCU merecem atenção especial. Elas representam o entendimento pacificado do Tribunal de Contas da União sobre temas recorrentes nas licitações públicas. Citar uma súmula do TCU que se aplica diretamente ao caso em questão confere um peso considerável ao recurso, uma vez que explicita a orientação consolidada do órgão responsável por fiscalizar a legalidade dos gastos públicos federais. Ao invocar uma súmula, é imprescindível transcrevê-la integralmente e explicar, de forma clara e concisa, como seu conteúdo se relaciona com os fatos narrados no recurso.

Para ilustrar a aplicação prática desses conceitos, consideremos algumas situações comuns em licitações e como abordá-las na argumentação recurso:

Exemplo 1: Erro na análise de habilitação técnica.

Imagine que a comissão de licitação inabilitou sua empresa sob o argumento de que um dos documentos apresentados não atendia a um requisito específico do edital.

Ao interpor o recurso, a fundamentação legal deve se concentrar na interpretação correta do item editalício questionado, demonstrando que o documento apresentado, em sua integralidade, cumpre a exigência.

Adicionalmente, buscar decisões do TCU ou TCE em casos semelhantes, onde a interpretação de cláusulas editalícias análogas foi diversa da adotada pela comissão, pode fortalecer significativamente a argumentação.

Por exemplo, se o edital exigia um atestado de capacidade técnica com um número mínimo de execução de determinado serviço e a comissão considerou inválido um atestado que comprova uma quantidade superior, decisões do TCU que defendem a interpretação mais flexível dos requisitos de habilitação em prol da competitividade poderiam ser invocadas.

Exemplo 2: Desclassificação por proposta supostamente inexequível.

Outra situação comum é a desclassificação de uma proposta sob a alegação de inexequibilidade de preços.

Nesse caso, a argumentação do recurso deve detalhar a composição dos custos da proposta, demonstrando sua viabilidade econômica e financeira. Apresentar planilhas detalhadas, contratos de fornecimento, convenções coletivas de trabalho e outros documentos que justifiquem os valores ofertados é essencial.

Além disso, é relevante buscar jurisprudência, especialmente do TCU, que estabeleça critérios objetivos para a caracterização da inexequibilidade, como a necessidade de um percentual mínimo de diferença em relação à média das demais propostas ou a comprovação de inviabilidade patente da execução contratual.

Invocar súmulas do TCU que tratam da presunção de exequibilidade das propostas e da necessidade de motivação robusta para sua rejeição pode ser um diferencial.

Exemplo 3: Irregularidades no edital.

Por fim, caso o recorrente identifique alguma irregularidade ou ilegalidade no próprio edital, como cláusulas restritivas à competitividade ou exigências desproporcionais, o recurso deve apontar o dispositivo legal infringido e explicar de que maneira a cláusula questionada viola o princípio da isonomia, da livre concorrência ou da economicidade.

Decisões do TCU e TCE que analisaram editais com cláusulas semelhantes e as consideraram ilegais são fundamentais para embasar essa argumentação. A clareza e a objetividade na descrição da irregularidade e de seus impactos na competitividade do certame são cruciais para o sucesso do recurso.

Em suma, a elaboração de um recurso vencedor em licitações exige um profundo conhecimento da legislação pertinente, das decisões dos Tribunais de Contas (TCU e TCE), da jurisprudência que trate do tema licitação e das súmulas TCU.

A fundamentação legal deve ser precisa e diretamente relacionada aos fatos do caso, e a relevância da jurisprudência invocada deve ser explicitamente demonstrada.

A Arte da Persuasão Fundamentada: Conectando Fatos, Leis e Precedentes

Para além da correta aplicação da legislação e da citação de precedentes, reside na capacidade de persuasão a chave para transformar um recurso bem fundamentado em um recurso vencedor. A arte da persuasão, no contexto dos recursos administrativos, não se resume a meras palavras eloquentes, mas sim à habilidade de conectar de forma lógica e irrefutável os fatos do caso concreto com a legislação aplicável e a jurisprudência favorável. É a maestria em tecer uma narrativa coerente e convincente que demonstre, de maneira inequívoca, o equívoco da decisão contestada e a justiça da pretensão do recorrente.

Essa "arte" envolve a clareza e a objetividade na exposição dos argumentos, evitando ambiguidades e digressões desnecessárias. Cada parágrafo do recurso deve contribuir para a construção da tese central, apresentando uma ideia clara e concisa, seguida da respectiva fundamentação legal e do suporte jurisprudencial pertinente. A utilização de uma linguagem técnica precisa, sem ser excessivamente rebuscada, demonstra profissionalismo e rigor na análise da questão.

Outro aspecto crucial da persuasão fundamentada é a capacidade de antecipar e refutar possíveis contra-argumentos. Ao analisar a decisão recorrida, o elaborador do recurso deve identificar os pontos fracos da argumentação da comissão de licitação e apresentar elementos que os desconstruam, seja por meio da interpretação mais adequada da lei, seja pela apresentação de precedentes que adotam um entendimento diverso. Demonstrar que a interpretação defendida no recurso é a mais alinhada aos princípios que regem as licitações públicas – como a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a igualdade, a publicidade, a probidade administrativa, a vinculação ao instrumento convocatório, o julgamento objetivo e os que lhes são correlatos – confere ainda maior força persuasiva ao recurso.

Em última análise, um recurso vencedor é aquele que não apenas aponta o erro da decisão recorrida, mas também convence a autoridade competente de que a pretensão do recorrente encontra amparo na lei, na jurisprudência e nos princípios que norteiam a Administração Pública. Dominar a arte da persuasão fundamentada, portanto, é o passo derradeiro para transformar um direito em uma vitória concreta no desafiador cenário das licitações públicas.

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